O dia em que perdi o coração





 Foto - Bill Henson

No meu quarto, ao longo dos anos, brilha um pénis ereto e fresco como um legume colhido pela madrugada. Cheira bem, morno e içado.

Percebo as veias que o percorrem à luz muito filtrada pelas cortinas. Quer-me. Quero-o. Beijo-o, desenho com a ponta da língua as curvas da glande, saboreio a camarinha que se forma no meato da uretra, e roço nele o rosto, os cabelos, o peito, as mamas, a barriga. Uso o brinquedo como me apetece. É só da menina.

No meu quarto, na minha cabeça, ao longo dos anos, há um pénis ereto como nenhum outro. Quantos anos viverei? Sempre o mesmo, mil anos ereto, os mil da minha vida. No dia em que me atirarem à cova, ainda ereto. Enquanto houver uma célula da minha pele perdida atrás da porta, na casa vazia, ou um resto do odor das minhas axilas, ereto.

No meu quarto na minha cabeça, ao comprido de décadas, brilha um pénis ereto ao qual me encosto. Um nervo flexível, um elástico bem esticado, retesado. Só eu posso vê-lo. Só eu conheço o seu cheiro a erva ceifada rente ao chão. Sinto-o duro contra a minha anca. Treme. É só meu. Acorda-me. Anima-me. Parece um cato tenro e sem espinhos, esse meu pénis vertical, o altar junto ao qual deixei de rezar quando perdi o coração.

Mensagens populares